Artículo

Estudios en Seguridad y Defensa, 14(27), 139-169.

https://doi.org/10.25062/1900-8325.230

Relações de violência, medo e identidades em um contexto líquido: análise da situação brasileira1

Relaciones de violencia, miedo e identidades en un contexto líquido: análisis de la situación brasileña

Relations of violence, fear and identities in a liquid context: analysis of the Brazilian situation

LEONARDO HUMBERTO SOARES2

Universidad Católica de Brasilia, Brasil.

REINALDO BATISTA CORDOVA3

Universidad Católica San Antonio de Murcia, España.

2 Doctor y magíster en Educación de la Universidade Católica de Brasília, Brasil. Integrante del grupo de investigación: Cartografia dos Territórios da Aprendizagem (UCB). Trabaja con la Universidade Católica de Brasília e União Marista do Brasil. Es cofundador de Esquina do Pensamento. Contacto: leonardo.humberto. soares@gmail.com

3 Doctor y magíster en Historia de la Universidad Católica San Antonio de Murcia, España. Especialización en Filosofía de la Universidade Católica de Brasilia, Brasil. Licenciatura en Historia del Centro Universitario de Brasilia (UniCEUB), Brasil. Miembro del grupo de investigación Nóesis de la misma universidad. Trabaja en el Centro de Estudos Filosófico/Teológico Redemptoris Mater. Es cofundador del canal NetHistoria. Contacto: reinaldo.b.c@um.es

Fecha de recepción: 27 de enero de 2019

Fecha de aceptación: 20 de marzo de 2019


Resumo

A presente pesquisa visou identificar em que medida a escalada de violência identificada no Brasil (e percebida também em várias outras sociedades contemporâneas) pode estar diretamente relacionada ao nível de tensão e ansiedade existentes e que são potencializados pelas novas dinâmicas sociais, marcadas por relações liquidas, conforme expressado pelo pensamento de Bauman, que emergiram a partir do final do século XX. Nesse caminho, estabeleceu-se três hipóteses que foram corroboradas ao longo do trabalho, a citar: a desconstrução do contraditório pode ser reforçada pelo medo autoalimentado nos grupos sociais fechados; dentro desses grupos, o indivíduo tende a diluir a sua capacidade crítica e o seu nível de empatia devido ao contexto de medo ao qual está inserido; e as redes sociais oriundas da cultura digital podem ser geradoras de medo e potencializar uma escalada de violência física e presencial. Quanto aos fins, a pesquisa se caracterizou como explicativa. Quantos aos meios, a pesquisa se caracterizou como pesquisa de campo, investigação empírica e pesquisa documental.

Palabras-chave: Violência, Medo, Pós-modernidade, Identidade, Redes Sociais.


Resumen

La presente investigación tuvo como objetivo identificar hasta qué punto la escalada de violencia en Brasil (y también percibida en varias otras sociedades contemporáneas) puede estar directamente relacionada con el nivel de tensión y ansiedad existentes y que se potencia por la nueva dinámica social, marcada por las relaciones líquidas, conforme a lo expuesto por Bauman, surgidas desde el final del siglo XX. De esta forma se establecieron tres hipótesis que se corroboraron a lo largo del trabajo: 1) la deconstrucción de lo contradictorio puede ser reforzada por el miedo autoalimentado en grupos sociales cerrados; 2) dentro de estos grupos el individuo tiende a sublimar su capacidad crítica y su nivel de empatía debido al contexto de miedo al que está expuesto; y 3) las redes sociales derivadas de la cultura digital pueden generar miedo e incrementar la escalada de violencia física. En cuanto a los fines, la investigación se caracterizó como explicativa. En cuanto a los medios, la investigación se caracterizó como investigación de campo, investigación empírica y análisis documental.

Palabras clave: Violencia, Miedo, Posmodernidad, Identidad, Redes sociales.


Abstract

The present research aimed to identify to what extent the escalation of violence in Brazil (and perceived in several other contemporary societies) may be directly related to the level of tension and anxiety that exist and that are potentiated by the new social dynamics that emerged from the end, like said by Bauman, of the twentieth century. In this way, three hypotheses were established that were corroborated throughout the work, to mention: the deconstruction of the contradictory can be reinforced by self-fed fear in closed social groups; Within these groups, the individual tends to dilute his critical capacity and level of empathy due to the context of fear to which he is inserted; and social networks derived from digital culture can generate fear and enhance an escalation of physical and face-to-face violence. Regarding the ends, the research was characterized as explanatory. As for the means, the research was characterized as field research, empirical investigation and documentary research.

Keywords: Violence, Fear, Postmodernity, Identity, Social media.


Introdução.

A questão da violência é recorrente nas sociedades contemporâneas e, de maneira específica, naquelas organizadas em Estados Democráticos de Direito. Isso porque se pressupõe que algumas regras de convívio social devam ser respeitadas pelo conjunto social. Nesse cenário, os cidadãos estão à espera de que o Estado ofereça estabilidade e proteção e que o contrato social e as legislações vigentes assegurem uma vida digna e segura para a população, partindo do princípio de que os baixos índices de violência possam demonstrar e/ou assegurar esse desejo. Entretanto, constata se a existência de um descompasso entre a expectativa e a realidade dos fatos, tendo em vista a existência de uma grande diversidade de opiniões e atuações das pessoas em suas atribuições e papéis sociais.

Essa percepção da violência é tratada por diversos autores como uma situação de crise da sociedade, como defendem Koselec (2007), Arendt (1964), Bauman (2001) e Han (2012). Entretanto, tampouco a violência ou a noção de crise são fenômenos recentes, mas a sua reverberação identificada nos fenômenos sociais parece apresentar uma novidade na contemporaneidade, principalmente ao se verificar a inclusão de variáveis como cultura digital, redes sociais e comunicações sectárias em sua equação atual.

Haja vista o atual impacto desse binômio violência/contemporaneidade, justifica-se a importância de se aprofundar o estudo sobre como os agentes sociais se encontram nesse processo de transformação em que se percebe que o aumento no incremento de sensação de medo e de insegurança, potencializado pela cultura digital, acaba por fomentar uma percepção de que a sociedade assume características cada vez mais violentas nesse período histórico ameaçando um estilo de vida supostamente civilizado que se atribui a um passado imaginado (Dammert, Malone, 2006).

Atrelado a esse fenômeno, verifica-se que a “Sociedade da Informação”, muitas vezes defendida por Castells (1999) e agora identificada como causa de crises por Han (2012) e Bauman (2001), possibilitou a rapidez com que imagens e representações sociais passaram a circular pelo mundo, permitindo que sentimentos e apreensões fossem enviados junto com informações de eventos ocorridos em um continente transmitidos a outro em curtíssimo espaço de tempo. Sendo isso exato, o indivíduo comum se vê circundado por sensações e percepções de mundo muitas vezes importadas ou exógenas a sua realidade (Dammert, Malone, 2006), mas que contribuem para a formação de uma percepção de crise, medo e violência.

Quando um pesquisador se predispõe a examinar os dados gerados sobre localidades como Rio de Janeiro ou São Paulo, por exemplo, percebe que os fatos ocorridos em suas ruas e registrados por jornalistas ou por testemunhas locais podem ser postados nas redes sociais e serem disseminados em outras regiões do país e do mundo e que, muitas vezes, por não possuírem a contextualização adequada, podem acabar criando um encadeamento de medo e de receio em relação a essas cidades que superam, inclusive, a própria percepção de medo existente entre os seus habitantes locais (Zaluar, 2019).

A relação entre medo e violência podem ser reconhecidas como fenômenos convergentes nessa conjuntura, e, dentre as diversas variáveis existentes, as representações sobre as forças policiais e de segurança exercem um papel elementar no momento de conter ou difundir percepções de inseguranças e violências, que extrapolam as fronteiras estabelecidas pelas normativas civilizacionais (Zaluar, 2019), tendo em vista que uma ação violenta das forças policiais pode gerar rapidamente respostas de aprovação ou rejeição pela comunidade que acessa a informação sobre o ocorrido.

Podemos considerar que os indicadores de violência policial se apresentam como um dos principais índices para mensurar a escalada da violência nos centros urbanos e rurais de diversos países, com destaque para os dados gerados sobre o Brasil, conforme exposto pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão do Governo Federal brasileiro.

Devido ao caráter do serviço prestado, as forças policiais atuam dentro de um paradoxo específico, tendo em vista que o agente policial se distingue do cidadão comum justamente pela possibilidade de aplicação da força, porque assim estabelecem as normativas legais, fundamentadas em padrões sociais. Contudo, essa aplicação sempre deve seguir procedimentos legítimos e dentro dos parâmetros de legalidade, proporcionalidade e necessidade (Barroso, 2003).

No caso do Brasil, objeto principal de análise deste trabalho, esta dinâmica pode ser facilmente identificada. Segundos os dados coletados pelo IPEA, uma das instituições brasileiras que mapeia a violência no país, houve um aumento de 282% de mortes causadas diretamente pela intervenção policial entre os anos de 2013 e 2018 (período em que ocorre o censo realizado) (Cerqueira, et al., 2019) FBSP)

Apesar do incremento da letalidade policial no período, não se identificou uma relação direta com a estabilização ou redução da criminalidade no país, tampouco melhoria dos indicadores de sentimento de segurança apontado pelos cidadãos. O que em palavras dos pesquisadores Ferreira, Marcial e Alencar (2015) significaria que: “O Brasil convive com alta criminalidade violenta, baixa sensação de segurança, problemas de governança na segurança pública e forte violência policial” (p. 59). Tal fato exigiria mudanças nas ações e principalmente planejamento da ordem pública para se alterar esse quadro de temor, de que a população padece e que já foi apontado por Zaluar (2019) como uma necessidade imperante.

Nesse contexto, interessa a esse trabalho a percepção de que o medo da violência termina por legitimar a própria violência. Um sofisma que, estimulado pela sensação de que paira a impunidade no Estado e que as instituições não funcionam, possibilita que o cidadão ou o policial se responsabilize por “curar os males sociais”, identificando, julgando e condenando o delinqüente com uma punição não prevista na legislação brasileira: a pena capital4. Essas práticas imorais e ilegais são regularmente fomentadas por agentes públicos e recebem ampla cobertura de mídias tradicionais, com programas como Cidade Alerta, Polícia 24 horas e Brasil urgente (Ferreira, Marcial y Alencar, 2015). Destacando que todos são programas televisivos de difusão nacional.

Ao se confrontar essa realidade, percebe-se que as experiências de outros Estados pouco ajudam nos debates sobre esse tema, uma vez que são tratadas de maneira rasa e estereotipadas (Dammert, Malone, 2006). Apesar de a “Sociedade da Informação” apresentada por Castells (1999) possibilitar o acesso e a produção de informação, esses são pouco usados pelo cidadão comum, mesmo porque não há tempo para digerir o volume informacional que lhe é imposto (Han, 2012). Por isso, o incremento dos estereótipos, como reflexo de um ato pouco expressivo e refletido racionalmente a partir da confrontação de ideias e informação, dão lugar a uma reação passional que reforça o mimetismo e a aceitação de medidas que se assemelham às dos próprios agentes geradores de violência, conforme exposto por Simmel (1977), Moscovic (1985) e Girard (2005).

Em outras palavras, o medo se espraia por vias passionais, gerando uma série de reações viscerais, fruto de uma ação reflexiva ou contemplativa, como sugeriu Han (2012): “la perdida de la capacidad contemplativa, que, y no en último término, está vinculada a la absolutización de la vida activa, es corresponsable de la histeria y el nerviosismo de la moderna sociedad activa” (p. 51). Neste caso, entende-se que a agitação, a necessidade de respostas rápidas e a vida efêmera do tempo presente causam fragilidades existenciais e encobertam os benefícios e resultados performáticos que são gerados pela cultura digital atualmente glorificada. Um resultado desse fenômeno seria a replicação das percepções de medo que, rapidamente, se espalham pelas vias de comunicação de massa em uma sociedade atarefada e pouco reflexiva.

Assim, o presente trabalho foca neste contexto e, apesar de a pesquisa ter se desenvolvido no cenário brasileiro, pode-se intuir que uma fração significativa da atual escalada de violência no mundo (nas suas mais diversas distinções) segue um padrão semelhante ao apresentado, como visto nas revoltas ocorridas no Chile (2019), em Hong Kong (2019) ou na França (2019). Alguns elos importantes dessas realidades distintas podem ser percebidos, como a intervenção do aparato policial, a dimensão tecnológica e informacional e a sua relação crescente com um sentimento de medo que, conforme será apresentado, geralmente atua como gatilho para a violência.

1. Conflito e violência: construção de um sentido.

A violência e suas correlações com outros aspectos da existência humana exigem observar como esse fenômeno social se relaciona, por exemplo, com o conflito. Para Simmel (1977), a existência do conflito possui um caráter essencial para o desenvolvimento do ser humano, considerando-se que é dentro de um processo dialético que o sujeito se relaciona com o outro na elaboração de uma conexão profícua. Para o sociólogo é justamente a partir da imperfeição que leva os sujeitos à conflitividade que se faz um relacionamento amadurecer e alcançar o nível apropriado para o próprio sujeito e para o conjunto de pessoas em uma sociedade.

Nessa perspectiva, pode-se entender, sociologicamente, que o conflito é parte integrante da formação do sujeito, inclusive encontrando-se exemplos históricos capazes de demonstrar que, em alguma medida, o conflito possibilitou o “ir adiante”. Assegurando-se, assim, as condições para o movimento dos sujeitos e da própria sociedade em uma trajetória de crescimento e desenvolvimento (Simmel, 1977).

Desta maneira, ainda que o conflito esteja intimamente relacionado com a violência, não deveria ser entendido plenamente como um ato de agressão, mas como um elemento de instabilidade. Além disso, funcionaria como um estímulo para que os sujeitos deixassem a zona de conforto, o que seria um processo po-tencializador de virtudes para o indivíduo e para o grupo. Nessa perspectiva, o conflito não geraria necessariamente a violência, ainda que esses fenômenos mantenham uma estreita relação, dado que se constata que uma discordância confli-tiva pode assumir matizes de violência, mas construiriam o cenário apropriado para que os implicados encontrassem um denominador capaz de fundamentar a coexistência. Em síntese, espera-se que, da instabilidade, possa se constituir uma conjuntura de equilibro.

Por outro lado, se constata a existência de outras perspectivas sobre a relação conflito e violência, neste caso mais vinculadas à escola marxista, que entendeu o conflito como um ato essencialmente imbricado com a violência, tendo-se em vista que, no ambiente social, existem, “grosso modo”, dois grupos distintos: dominadores e dominados. Nessa perspectiva, o conceito marxista de conflito explica a necessidade de que os excluídos e explorados se levantem contra aqueles que lhes dominam e exploram (Turner et al, 1975). Esse processo geralmente não é pacífico, uma vez que força a mudança de uma ordem de poder. Inclusive, poderia ser uma ordem imperativa para que se chegasse à violência de modo a se obrigar a transformação dos padrões comportamentais e mentais coletivos.

A fim de ilustrar essa circunstância, Llosa (2015) afirma que o conflito violento é naturalizado, como um face da formação e transição de jovens em adultos. Acerta ao apresentar que o mimetismo da violência se encaixa perfeitamente na conjuntura de luta de classes na qual estudantes replicam as agressões e as lutas contra seus oponentes por conta de seu lugar na sociedade. A mentalidade de opressor e oprimido se configura a partir de categorias sutis e explicitas, determinando que o conflito assuma matizes de violência e até mesmo de satisfação com a dor alheia.

Partindo-se destas duas visões, em parte antagônicas, sobre a relação entre conflito e violência, apresentar-se-ia um cenário ideal de tentativa de ler a convergência entre elas, a partir da constatação de que existe uma relação entre ambas e que, via de regra, conduz a um resultado de transformação, visto que o sujeito e a sociedade não permanecem incólumes às mudanças geradas pelos conflitos, seja por seu caráter positivo (Simmel, 1997) ou desagregador (Turner et al, 1975)

A situação, provavelmente inusitada deste processo, e que não fora contemplada por estes dois últimos autores é a de que os conflitos na atualidade têm superado drasticamente seu caráter propositivo para se configurar em uma reação desmesurada e que se explicitam em atos de violência mais acentuados. Ações desse tipo podem ser vistas desde ataques contra integrantes do mesmo grupo social e que não aceitam a divergência como uma alternativa, até situações como assassinatos em massa, violências domésticas, assédios trabalhistas, ataques a oponentes políticos ou violência policial.

À diferença do que ocorrera em outros períodos históricos, em que as comunicação eram mais regionais, na atualidade são situações que assumem um caráter massivo, devido à difusão de novas formas de divulgação de informação, como se pode verificar pelo uso de redes sociais e pela intensificação da formação de grupos não presenciais, mas que terminam por identifica-se como integrantes de uma mesma coletividade.

As causas para essa situação podem ser imensuráveis, sendo praticamente impossível que uma investigação capte e sintetize todas elas, devido à complexidade da pessoa humana e da comunidade. Nessa conjuntura os objetivos coletivos, provavelmente utópicos, se mesclam em um cenário de disputas cotidianas, em que deve reinar apenas a convergência, sem a presença de pessoas que pensem ou atuem de maneira diferente (Girard, 2005).

Se consolida uma mentalidade de destruição e desterro do outro, como estratégia para se erguer o ilusório mundo sem divergência. Situação que Han (2012) diria ser mais característica de um período concluído com o fim da Guerra Fria, identificado por ele como imunológico, mas que se pode verificar bastante ativo nessa sociedade da informação, em que antigas paixões, antagonismo e dicotomias parecem eclodir de uma hibernação. Ainda assim, se faz necessária a proposição de recortes temporais e fenomenológicos para compreender algumas das nuances deste problema entre medo, conflito e violência.

2. O medo, a pulsão social e a violência.

É plausível afirmar que o medo, enquanto emoção básica e inerente à natureza humana, acaba se constituindo como um dos principais elementos norteadores na construção dos alicerces sociais de qualquer comunidade. Mais do que isso, a constituição fisiológica do medo estabelece padrões e sentidos de ação que não são simplesmente explicados pela racionalidade e que por sua vez impactam profundamente no cotidiano social, conforme defendido por Korstanje (2014):

Si bien el miedo es una emoción presente en todos los seres vivos, exclusivamente el hombre tiene la particularidad de estructurarlo manipulando no solo el entorno sino el horizonte temporal. En consecuencia, sólo el hombre puede crear una geografía y una narrativa del miedo. Cada sociedad teme por diferentes cuestiones ya que sus organizaciones culturales difieren (p. 1).

Além disso, a dimensão de ação pautada no instinto de sobrevivência se estabelece também como uma poderosa ferramenta de coação e controle, muitas vezes utilizadas na história da humanidade pelas instituições políticas, religiosas, militares e principalmente financeiras que estabeleceram um complexo ambiente de submissão, construção ideológica, produção e consumo a partir do medo (Delumeau, 2012). Resultando em uma espécie de ditadura do medo que conduziria as pessoas a adotarem medidas pautadas em impressões alheias e o que poderia ser mais grave, sem evidências, conforme expõe Delumeau.

Considerando essas noções, é interessante perceber que a construção de toda uma dinâmica orgânica do medo passou de um fenômeno individual de autopreservação para uma ferramenta coletiva de autoafirmação, ao mesmo tempo em que se institucionaliza como uma ferramenta de manipulação social. Bauman (2008) assinala essa dinâmica ao apontar as interações entre o que ele denomina de “medo primário” e “medo derivado”. Enquanto o medo primário é constituído a partir da autopreservação e temor da morte na sua forma mais pura, o medo derivado é um medo inculcado socialmente, ou seja, alheio.

Essa interpretação poderia muito bem ser uma apropriação da definição de Bourdieu e Passeron (1975) para o conceito de habitus, tendo em vista que o medo acabaria funcionando como uma matriz de percepções, apreciações e ações que são construídas externamente e que reforçam a própria autoaceitação do indivíduo naquele grupo social. Esse sistema de “disposições incorporadas” acaba por organizar a forma como o indivíduo percebe e interage com a realidade subjetiva ao seu redor. Compartilhar percepções, impressões e mentalidades se revela como uma significativa argamassa, que une os integrantes de um grupo, algo que Moscovic (1985) trabalharia sob a perspectiva da convergência. O medo é compartilhado e deveria ser aceito como uma verdade para todos os integrantes da comunidade.

Essa constituição somente é possível graças à própria anatomia fisiológica do medo. Em síntese, o medo funciona como um mecanismo de defesa que estabelece três formas padrões de conduta: paralisação, fuga e luta. Em todos os casos citados, a intenção é sair do campo de ação de um perigo real. Geralmente, a intensidade do temor se define de forma proporcional ao risco, adaptando o indivíduo para as ações necessárias em cada situação.

A proporcionalidade desse risco é avaliada, por sua vez, pelo nódulo cerebral denominado “hipocampo”, que possui a função de fazer comparações com as experiências e com o contexto em torno do objeto do medo (André, 2007; Delemeau, 2012). Contudo, as dimensões subjetivas das experiências são sensibilizadas, em grande medida, pela construção coletiva em que o indivíduo é inserido e a qual interage constantemente (Dammert, Malone, 2006). O que tornaria a percepção de Bauman (2008) e Bourdieu e Passeron (1975) plausível à hora de explicar como o medo se instala no imaginário de um grupo social.

Partindo-se dessa premissa, faz sentido conjecturar que, caso o motivo de luta seja a resposta enraizada e mais comum ao temor em uma dada comunidade, poderá ser mais acessado e potencializado do que habitualmente se poderia esperar, além de gerar uma espécie de circuito de situações de conflitos e agressividade que acaba alimentando e fortalecendo o próprio medo/temor original. Em grande medida, pode-se perceber que cidades mais violentas possuem uma intensidade maior de medos que geram um estado de luta e que, por sua vez, são traduzidos por mais violência e agressividade (Zaluar, 2012).

Essa interpretação pode assumir dois caminhos possíveis: a construção consciente de um sentimento de temor generalizado e que é voltado em particular para um objetivo específico. Como visto no discurso nazista em relação aos judeus, ou na perseguição ocorrida em alguns países em relação ao comunismo (Arendt, 1964), ou ainda a constituição de fenômenos que vem à tona a partir das próprias dinâmicas sociais e que se instalam em vários contextos distintos e não coordenados. Mas que são suficientemente fortes para sofrerem uma adesão popular que os alimenta e fortalece (Bourdieu e Passeron, 1975).

Em ambos os casos, é possível identificar que determinados mecanismos de formação de “nichos” de temor se utilizam da mesma lógica de funcionamento e constituição de massas e grupos sociais. Nessa dinâmica, a figura de um líder ou de um fenômeno suprarracional de devoção pode facilmente ser trocado pelo próprio objeto de temor que alimenta esse grupo. Adotando-se esse caminho, é possível aplicar o argumento de Freud (2017) sobre a teoria de massas quando se identifica que indivíduos que possuem determinados padrões de medo em uma comunidade e que formam grupos que defendem uma mesma visão de mundo geralmente se apresentam extremamente influenciáveis e crédulos, facilmente intolerantes, sustentados por uma lógica afetiva intensificada e com limitada capacidade de reflexão racional.

Paradoxalmente, muitas dessas caracterizações não desconstroem a capacidade singular e subjetiva dos indivíduos participantes, apesar de lhes ofuscar o discernimento sobre determinados campos de atuação. Assim, pode-se encontrar indivíduos reconhecidos como racionais e resilientes em relação aos seus enfrentamentos cotidianos, mas que, ao se inserirem em determinados bolsões ou massas, desconectam-se de suas camadas de filtro habitualmente utilizadas e assumem uma posição alienada frente ao discurso e ao modus operandis do grupo. Freud (2017) e Moscovic (1985) também explicam essa relação ao apontar que, apesar de o indivíduo buscar a satisfação de seus impulsos, a partir da construção de uma subjetividade singular, raramente, e somente em determinadas situações excepcionais ele desconsidera as suas relações com o outro e com o grupo que o cerca.

Nesse sentido, se for considerada a ideia de que o medo enquanto catalisador de violência e agressão pode se constituir dentro de uma mesma dinâmica vista na psicologia das massas apresentada por Freud (2017), ou na psicologia social de Moscovic (1985), também faz sentido entender que o medo pode assumir novos instrumentais e estratégias que se remetem claramente ao conceito de liquidez apresentado por Bauman (2001)5. Ao se caminhar para essa direção, parece que a variável comportamental tende a ser sensivelmente afetada pelas mudanças que se instalam na contemporaneidade e que estão principalmente vinculadas, por exemplo, às mudanças comportamentais geradas pelas novas tecnologias informacionais (Castells,1999; Han, 2012).

Ao se considerar essa proposição, intui-se que o comportamento observado nos espaços de interação e convívio virtual, notoriamente as redes socais, é os maior potencializador de estados de alerta e medo da atualidade. Observa-se que esses espaços estão replicando, com cada vez mais intensidade, a disseminação do medo e do alarmismo nos canais de interação social. Esse pode ser um componente potencialmente perigoso a ser adicionado na já instável fórmula de conflitos tradicionais, que tendem a ser incrementados pelo medo coletivo espraiado pelas redes sociais. Ao se pensar, por exemplo, que uma parte expressiva e pública da diplomacia mundial entre duas potências nucleares como os Estados Unidos e Coréia do Norte foi estabelecida a partir de uma rede social como o Twitter (Watkins, 2018), com uma notória escalada de agressividade e ameaças, pode-se entender como os riscos e as sequelas das novas interações virtuais podem ser severas e catastróficas.

3. Conflito, violência e tecnologia: as novas dinâmicas sociais.

É justamente nessa dinâmica em que se apresentam os aspectos positivos do conflito, que se constituiria como um palco em que os atores (ou as partes) poderiam efetuar o drama que se encerra. Mesmo que esse movimento seja áspero ou dispare, essa dinâmica estabelece o confronto como ato de reconhecimento do outro e viabiliza a possibilidade de um metamorfismo entre as interações e as relações sociais. Contudo, o que se percebe é que, no cenário atual, se fortalecem cada vez mais muitas incertezas e irracionalidades que conduzem as partes envolvidas a truculências exageradas e negativas.

Ao se apontar o conceito de interação defendido por Simmel (1977) como fio condutor para o debate sobre o conflito, emerge a necessidade de se verificar como as transformações estruturais e conjunturais da sociedade pressionam ou influenciam esse mesmo conceito na contemporaneidade. Hobsbawm (1995) e Bauman (2001), por exemplo, argumentam que a sociedade emergente do final do Século XX parece ser composta por indivíduos egocêntricos, sem nenhuma conexão entre si, com grande resistência à autoridade e focados principalmente na autossatisfação imediata, o que é corroborado por Han (2012), quando afirma que: “El análisis de Foucault sobre el poder no es capaz de describir los câmbios psíquicos y topológicos que han surgido con la transformación de la sociedad disciplinaria en la de rendimiento” (p. 67). O homem se transformaria, segundo Han, no seu próprio senhor e dominador.

Essa percepção pode encontrar alguma mensuração quando se verifica que a contemporaneidade passa por um aumento significativo na escalada da violência ainda que a tecnologia e a produção de informação e conhecimento tenham alcançados patamares jamais vistos na história da humanidade (Harari, 2016). Sem entrar no mérito distributivo ou humanizador, nunca foi alcançada tão ampla condição material de produção de riquezas e de bens de consumo ou avanços tão significativos em áreas que supostamente melhorariam a qualidade de vida da população em geral (Bauman, 2008). Todavia, percebe-se que a violência, em sua singularidade, encontra-se presente nos mais diversos níveis sociais não respeitando títulos, cargos ou situação financeira.

Obviamente, fatores sociais como falta de renda, acesso à educação, desemprego ou políticas públicas impactam esse cenário. Por outro lado, identifica-se também a emergência de indivíduos fragilizados em seus papéis sociais devido às grandes ondas de transformações socioculturais ocorridas a partir do século XX (Hobsbawm, 1995; Judt, 2012). Associa-se ainda a essa argumentação a percepção de que as mudanças geracionais acontecem a uma velocidade consideravelmente mais rápida. Enguita (2007) reforça essa ideia ao apontar que a sociedade contemporânea pode ser identificada como uma sociedade em que ocorrem transformações sociais de maneira mais veloz que no passado. Inclusive com processos até então nunca identificados e que afetam totalmente o papel geracional existente. E como um dos principais agentes catalisadores desse processo se encontra no desenvolvimento tecnológico, essa parece ser uma variável fundamental para a compreensão dessa dinâmica de correlação entre medo e violência.

Acerca dessa premissa, é notório que o desenvolvimento tecnológico visto nas últimas décadas se caracterize como um dos principais traços do que se denomina de contemporaneidade. O avanço tecnológico já alcançado influencia profundamente as bases econômicas, políticas e intelectuais da sociedade atual. Contudo, é possível identificar que a revolução tecnológica não está sendo acompanhada, no mesmo ritmo, por uma revolução cultural ou social. Existe uma lacuna entre a “novidade” e a “internalização da novidade” que decorre justamente da velocidade das mudanças atuais (Castells, 1999).

Um recorte que auxilia na identificação desse desalinhamento entre desenvolvimento tecnológico e cultural pode ser encontrado na observação do uso das redes sociais atualmente concentradas no conceito de “cloud computing” (ou nuvem de computadores). Esse neologismo não somente amplia o entendimento dado ao conceito de internet como também fomenta novas formas de interação que extrapolam a dimensão do tempo (são realizadas em qualquer horário), de espaço (são realizadas em qualquer lugar), de conteúdo (não exigem autoridade sobre o tema) e de autoria (que se diluem no processo argumentativo).

Ao se acompanhar Simmel (1977) no argumento de que os processos interativos catalisam e reconfiguram o contexto social, deve-se também se perguntar como as novas tecnologias modificaram as formas, os dispositivos e a intencionalidade dessas mesmas interações, pois pode ocorrer que essas interações não acompanhem esse mesmo desenvolvimento tecnológico. Ainda, é mister compreender em que medida as mudanças nos processos de interação social podem influenciar também as dinâmicas de conflito e geração de violência, o que reforçaria ainda mais sua relevância para essa análise.

A esse respeito, alguns indícios podem ser observados. O espaço virtual assume cada vez mais importância no cotidiano social, talvez dando materialidade às previsões de Lévy (1999) sobre a cibercultura e também apresentando uma realidade pautada em processos de interação que ainda não estão maduros ou claros. Por sua vez, a utilização extensiva dos aparelhos de smartphones e a prática constante de fotografias, filmagens e postagens em redes sociais como Instagram, Facebook ou Linkedin evidenciariam o que Debord (1967) definiu em seu momento como “sociedade do espetáculo”, na qual o conjunto das relações sociais são mediadas ou influenciadas pelas imagens, com tendência a se valorizar mais a ilusão (ou o “parecer”) do que a realidade (ou o “ser”).

Ainda, emerge um contexto laboral que valoriza as dimensões sociais performáticas e que não define limites plausíveis entre produtividade, qualidade de vida e pressões cotidianas no trabalho, o que Gaulejac (2005) afirma ser uma estratégia que legitima a mercantilização do ser humano e o transforma em “capital que convém tornar produtivo” (p. 28). Visão essa convergente com a apresentada por Bauman (2008), quando apresenta a sociedade pós-moderna como um ente enfermo.

Ao se reunir todos esses argumentos, surge como hipótese possível de que os conflitos enquanto reconhecimento e interação com o outro (conforme defende Simmel), podem estar sendo substituídos por um tipo de conflito antagônico que nega o outro sumariamente como estratégia de afirmação do seu próprio “eu”. Assim o faz, impondo uma barreira ao processo de identificação e de convívio, porque o outro se transforma em uma ameaça, o que nas palavras de Girard (2005) seria sua transmutação em bode-expiatório.

Visto de essa maneira, se evidenciaria que a incapacidade de ter ou geraR empatia pelo outro poderia gerar um fluxo de medo, cujas conseqüências seriam o estabelecimento de o medo do outro. Em todo caso, a contínua tensão termina por fortalecer um sentimento de risco (no caso, a própria desconstrução de sua identidade), o que explica os altos níveis de ansiedade e adoecimento social que são aferidos na atualidade e descritos por Han (2012) e outros pensadores anteriormente citados, como Bauman (2008) e Koselleck (2007), que tratam de crise nos princípios norteadores da sociedade.

Como os valores de individualidade e superação permeiam o imaginário do senso comum, ações de fuga são geralmente refutadas. Destaca-se, então, o instinto de luta que, na maior parte das vezes, se revela somente na dimensão da agressividade e da violência, driblando desta maneira o caráter positivo que o conflito poderia assumir na formação da identidade pessoal e na construção de um projeto coletivo.

4. Hipóteses e questões de pesquisa.

A partir do cenário exposto, intui-se que a escalada de violência na sociedade pode estar diretamente relacionada ao nível de tensão e ansiedade existentes e que são potencializadas pelas novas dinâmicas sociais que emergiram a partir do final do século XX. Entre essas dinâmicas evidencia-se a quebra dos paradigmas de espaço e tempo; a nova condição de imprevisibilidade, rapidez e liquidez da sociedade (seguindo a premissa de Bauman); o expressivo desenvolvimento das tecnologias informacionais e as possíveis alterações no formato das interações que decorrem desse movimento.

Essa tensão e ansiedade poderiam intensificar os chamados “medos derivados” apontados por Bauman (2008), que potencializam os sentimentos de insegurança, vulnerabilidade e de desconfiança na capacidade de resposta individual tendo em vista a condição de imprevisibilidade atualmente instalada no cotidiano. As respostas fisiológicas para esse tipo de medo, mesmo em condições de inexistência de um perigo real, podem desatar ações de luta e fuga que desarticulam a possibilidade da construção do contraditório, desvirtuando a ideia de conflito como fenômeno de transformação social para a condição de conflito como catalisador de ações violentas e agressivas.

Tomando esse cenário como base e entendendo que as redes sociais e os grupos virtuais são possíveis expressões desses novos tempos, constituiu-se as seguintes hipóteses:

  1. A desconstrução do contraditório pode ser reforçada e orientada pela autoalimentação constante de conceitos geradores de medo existentes em grupos fechados oriundos das redes sociais.

  2. Ao se adentrar em um desses grupos, o indivíduo tem a tendência a diluir a sua capacidade crítica e o seu nível de empatia devido à autoalimentação do contexto de medo ao qual é inserido.

  3. Quando determinadas temáticas geradoras de medo são inseridas nessas redes sociais, pode-se observar uma escalada de violência física e presencial que acompanha, de alguma maneira, a intensidade de agressividade apresentada nos posicionamentos de seus usuários.

5. O método utilizado.

A pesquisa desenvolvida é definida como explicativa porque, apesar da triangulação sobre medo, violência e novas dinâmicas sociais já possuir uma base de conhecimento significativa, todavia é preciso revelar como as novas tecnologias informacionais contribuem para a ocorrência da violência verificada na contemporaneidade.

Quanto aos meios, a investigação se definiu como pesquisa de campo, na qual investigação empírica foi aplicada em um dos principais espaços da ocorrência do fenômeno (as redes sociais sustentadas pelas tecnologias de cloud computing) e com à pesquisa documental, tendo em vista a utilização de documentos públicos e institucionais que inserem e justificam o escopo da amostragem utilizada para a geração dos dados (Demo, 1994). A análise temática com construção de categorias a posteriori foi utilizada como metodologia para a constituição dos resultados alcançados.

6. O ambiente de aplicação da pesquisa.

A geração dos dados foi realizada tendo como foco a escalada de violência policial no Brasil apresentada no relatório “Atlas da Violência 2019” e os ecos e sequelas desse fenômeno nos movimentos e grupos das redes mantidas na mídia social e rede virtual denominada “Facebook”. Essa escolha parte da constatação de que no atual contexto esse ambiente contribui para a mudança expressiva nos direcionamentos ideológicos e políticos do país e se apresenta como um instrumento de ataque e desconstrução do contraditório e ademais potencializador de agressões físicas.

Para compreender essa dinâmica, foi realizado o cruzamento das manchas de violência encontradas no documento “Atlas da Violência 2019” produzido pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o levantamento realizado junto a dois expressivos grupos opositores que atuam sobre o tema de violência policial no Brasil e se apresentam como antagonistas dentro de um mesmo contexto de conflito. O primeiro grupo avaliado se define pela defesa da área de segurança pública (aqui denominado como “Segurança”) e o segundo grupo é composto por simpatizantes e profissionais da área de direitos humanos (aqui denominado como “Direitos Humanos”). Ambos os grupos possuem expressiva quantidade de usuários cadastrados e significativa taxa de participação de seus membros.

Para o levantamento de dados na rede social em questão foi utilizada a solução de web analytics denominada de Dashboard keyhole, que viabilizou a visualização das estatísticas de adesão e engajamento dos usuários da rede social na temática estudada. Ainda, foram analisadas 198 postagens publicadas nos meses de dezembro de 2018 a dezembro de 2019 sobre o tema e o índice de aproximação ideológica que elas viabilizaram.

7. Apresentação dos dados gerados.

Os dados gerados para análise se apresentam em duas dimensões. A primeira diz respeito ao levantamento das manchas de violência existentes no Brasil e identificadas pelo “Atlas da Violência 2019” e pelo “Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019”. A segunda dimensão diz respeito aos dados levantados juntos aos grupos de Facebook indicados anteriormente. A respeito da primeira dimensão, optou-se por trabalhar no recorte de violência policial a fim de alinhá-la com a argumentação já apresentada no aporte teórico deste artigo. Abaixo, segue a síntese dos dados que foram considerados para a análise realizada.

Figura 1. Mortes decorrentes de intervenções policiais (em serviço e fora de serviço) - 2013/2018.

Fonte: FBSP (2019)

Cuadro 1. Proporção de Mortes decorrentes de intervenções policiais em relação às Mortes Violentas Intencionais.

Fonte: FBSP (2019)

Figura 2. Comparação dos Sistemas de Saúde e Segurança Pública: vítimas de homicídio (Atlas da Violência) x Vítimas de MVI (Anuário Brasileiro de Segurança Pública) - Brasil (2013-2017)

Fonte: Cerqueira et al., IPEA (2019)

A segunda dimensão aborda os dados gerados no ambiente web. A análise temática aplicada ao conjunto de dados permitiu a identificação de categorias a posteriori e a priori utilizadas na construção dos resultados expostos. A categoria a priori, denominada “Acolhimento do Contraditório”, foi concebida na intenção de identificar em que medida os grupos em questão estavam abertos para acolher o diferente e em que medida possuíam a mínima condição de interação e conflito que pudessem ser enquadrados no conceito proposto por Simmel (1977).

As categorias a posteriori que foram encontradas se distribuíram em seis dimensões e se apresentaram reincidentes em ambos os grupos a partir dos seguintes temas:

  1. Amenidades: quando o posicionamento não estava relacionado ao tema principal defendido pelo grupo.

  2. Antagonismo (ou desconstrução): quando o argumento da postagem se encaminhava para o ataque ou desarticulação do diferente ou contraditório;

  3. Comoção: quando o argumento da postagem enaltecia algum fato ou fenômeno geral a partir da sua própria ótica.

  4. Defesa: quando o argumento da postagem defendia determinado tema ou indivíduo, mas sem a desconstrução do antagonista.

  5. Identidade: quando o argumento da postagem feita defendida explicitamente a identidade ou as dinâmicas de relacionamento do próprio grupo.

  6. Medo: quando o argumento da postagem criava uma condição de receio físico ou material frente a um acontecimento ou indivíduo específico, em muitos casos relacionando o antagonista como autor.

Os resultados encontrados podem ser observados nos infográficos apresentados a seguir:

Os dados apresentados pelo Quadro 2 apontam a extensão de atuação dos grupos durante os meses de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019. O período de geração de dados coincidiu com a aplicação das novas normas de segurança de dados das redes sociais que foram implementadas ao longo do ano de 2019 e que impediu o levantamento após o período mencionado na plataforma objeto da presente pesquisa.

Quadro 2. Comparação realizada entre os meses de dezembro de 2018 e fevereiro de 2019.

Fonte: Cerqueira et al., IPEA (2019).

Os grupos utilizados para o estudo são tidos como os mais expressivos em suas áreas de atuação. Ainda que o grupo “Segurança” apresente uma quantidade menor de inscrições, possivelmente em função do tempo de atuação de cada grupo, ele se destaca pelo índice de engajamento realizado pelos seus usuários. Segundo as métricas coletadas, os participantes desse grupo são mais participativos e emocionalmente envolvidos com a temática apresentada, sendo mais agressivos em relação ao contraditório.

Os dados apresentados nos Figuras 3 e 4 demonstram as estratégias utilizadas pelos grupos em sua argumentação. O percentual indicado aponta a quantidade de postagens feitas a partir de cada categoria encontrada. Ainda que haja categorias diferentes, a dimensão de “Antagonismo”, “Identidade” e “Medo” foram encontrados em ambos os casos.

Figura 3. Percentual de postagem para cada categoria identificada.

Fonte: Soares e Cordova (2019)

Figura 4. Percentual de postagem para cada categoria identificada.

Fonte: Soares e Cordova (2019)

Figura 5. Percentual de adesão para cada categoria identificada.

Fonte: Soares e Cordova (2019)

Os dados apresentados nos Figuras 3 e 6 demonstram o nível de adesão dos participantes às postagens apresentadas em cada categoria. Compreendendo que as postagens feitas se constituem de argumentos de convencimento, é interessante perceber uma distinção entre os dois grupos em relação à sua autoimagem. Enquanto o primeiro parece buscar a consolidação da sua identidade, o segundo parece reforçar a diferença do outro.

Figura 6. Percentual de adesão para cada categoria identificada.

Fonte: Soares e Cordova (2019)

Por sua vez os dados apresentados pelo FBSP (2019) indicam um significativo crescimento da violência com envolvimento de agentes da segurança pública. Próximo de 282% nas mortes com envolvimento policial entre os anos de 2013 e 2018 (recorte trabalhado pelo “Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019”).

Figura 7. Homicídios ocorridos com intervenção Policial

Fonte: FBSP (2019)

Obervando os dados é possível verificar o incremento da violência apresentados pelo Ipea (2019), como uma clara tendência de naturalização do fenômeno de violência nos últimos anos, muitas vezes acompanhados (ainda que não seja possível afirmar que seja dentro de um fenômeno de causalidade) a evolução e crescimento na utilização dos serviços de redes sociais.

8. Análise dos resultados.

8.1. Medo, Interiorização, Vigília, Pertencimento e Segurança.

A primeira hipótese levantada na presente pesquisa sugere que “a desconstrução do contraditório pode ser reforçada e orientada pela autoalimentação constante de conceitos geradores de medo existentes em grupos fechados oriundos das redes sociais”. Essa hipótese parte do princípio apresentado por Freud (2017) e Moscovic (1985) de que o indivíduo, salvo em raras exceções, constitui a sua visão de mundo a partir da sua relação com o outro, sendo ao mesmo tempo influenciado e influenciador nessa dinâmica. Ao mesmo tempo, também se adere ao conceito de “medo derivado” de Bauman (2008) ao se verificar que as ações de determinados grupos possuem mecanismos de autopropulsão que dão continuidade a esse medo mesmo em situações que não apresentam perigo iminente. Ainda, também se aproxima do conceito de habitus defendido por Bourdieu e Passeron (1975), tendo em vista que a adesão ao mecanismo de medo também se apresenta como instrumento de aceitação do indivíduo naquele grupo social.

Dessa forma, é possível se pensar em um fluxo de acontecimentos que reforçam a dinâmica de medo em um grupo. Por um lado, observa-se a pressão do grupo por meio de um argumento de medo. Esse medo é interiorizado e passa a constituir um dos instrumentos de defesa da psique dos indivíduos participantes. Como esse argumento de medo geralmente é ativado pelo próprio fluxo cotidiano, o indivíduo fica em constante estado de alerta e se torna altamente reagente a qualquer situação de iminente risco. Por outro lado, a interiorização desse medo o qualifica e o identifica como pertencente àquele grupo que, por sua vez, gera o sentimento de segurança interna em seus membros. Assim, existe um ciclo viciado e autoalimentado que dá a tônica em muitas das interações existentes.

Observando-se os dados levantados, nota-se a existência de um fluxo (consciente ou não) de incutir medo nos participantes dos grupos por meio da apresentação constante de postagens que remetem à algum tipo de risco iminente. No grupo denominado de “Direitos Humanos”, 23% das publicações realizadas no período da pesquisa foram compostas de forma a conduzir o seu leitor a um estado de atenção e vigília. O exemplo abaixo apresenta esse formato:

Postagem: Em João Pessoa, câmeras de segurança flagraram o momento em que um homem matou um taxista durante uma briga de trânsito, na tarde de ontem. A discussão durou apenas nove segundos. O taxista que estava estacionando pediu para o carro de trás se afastar, um homem grande e musculoso desceu, discutiu por alguns segundos, puxou uma arma e matou o taxista. Já no grupo denominado de “Segurança”, o percentual encontrado foi de 12% das publicações realizadas no período para essa mesma dimensão. Abaixo, um exemplo sobre o formato utilizado.

Postagem: Uma guarnição inteira encurralada à espera do blindado. E ainda dizem que não estamos em guerra. Eu vou além, estamos mergulhados no caos do terrorismo.

Contudo, é interessante perceber que, apesar da categoria “Medo” estar presente em ambos os grupos, parece que somente essa dimensão não é suficiente para estabelecer a relação de “pressão, medo e identidade” que foi apresentada acima. Apesar de indicar percentuais diferentes, ambos os grupos tiveram um percentual mais expressivo nas postagens de “Antagônico” (33% e 48%) e de “Identidade” (27% e 30%). Faz sentido ao se imaginar que somente o medo, sem uma estrutura de identidade e de ataque (ou sentido de luta) não gera a sensação de segurança que pode ser apresentada em um grupo e que é necessária para a adesão e continuidade do indivíduo em sua estrutura.

Por sua vez, surpreende a constatação de que os grupos possuem estratégias diferentes em suas dinâmicas internas. Apesar de o percentual de postagens apresentar a intencionalidade do grupo na rede social, é o percentual de engajamento feito pelos seus usuários que demonstra os resultados efetivos de adesão de seus participantes. Assim, enquanto no grupo de “Diretos Humanos” existe uma acentuada preocupação em fortalecer a sua identidade (41% de adesão às postagens para essa categoria), o grupo de “Segurança” possui um percentual de adesão muito maior para ações de ataque e desconstrução, com 53% de adesão para as postagens encontradas na categoria “Antagônico”. Essa diferença pode demonstrar um padrão de respostas diferentes para a questão do medo. Enquanto o primeiro grupo responde com uma busca maior pela sua identidade, o segundo grupo responde com uma desconstrução maior da identidade do outro.

Por fim, uma questão ficou bem clara nos dados apresentados. Em nenhum dos grupos pesquisados foram encontradas postagens que dessem abertura para o contraditório ou flexibilidade para uma proposta de convergência entre posicionamentos diferentes. Se há verificado que, em alguns momentos, a estratégia estava centrada na geração e fomento do medo, enquanto em outros momentos na construção da identidade, assim como na desconstrução do outro. Esse cenário inviabiliza a possibilidade de interação apontada por Simmel (1977) como insumo essencial para a constituição das configurações responsáveis pelo cotidiano social. Talvez, a falta de empatia vista nas relações atuais pode ser uma das grandes sequelas dessa situação.

8.2. Empatia: o catalisador da interação.

A segunda hipótese levantada sugere que “ao se adentrar em um desses grupos, o indivíduo tem a tendência de diluir a sua capacidade crítica e o seu nível de empatia devido à autoalimentação do contexto de medo ao qual é inserido”.

Como visto anteriormente, a capacidade crítica do indivíduo integrante de uma massa (ou grupo) pode ser diluída pela própria dinâmica das relações existentes entre os seus membros, como já apresentado por Freud (2017) e Moscovic (1985). Contudo, chama a atenção nessa hipótese a dimensão da empatia, aqui compreendida como a capacidade do indivíduo de se colocar no lugar da outra pessoa e a sua reação afetiva ao resultado disso (Strawson, 1965). Peter Strawson, filósofo alemão que atuava no movimento da filosofia da linguagem, defendia que a constituição da moralidade, aqui entendida como as normas de conduta e de convivência, eram dimensionadas e desenvolvidas a partir das atitudes reativas que os sujeitos possuem em relação ao que acontece com as pessoas que os cercam.

Esses sentimentos definiriam, em grande medida, a dinâmica acolhida pelo grupo ao qual o sujeito se insere. Nesse sentido, é a empatia que define as relações existentes nas situações cotidianas. Por exemplo, ressentimento, quando o indivíduo é afetado por uma outra pessoa; indignação, quando um indivíduo faz algo nocivo a uma outra pessoa; ou culpa, quando o indivíduo faz algo errado para alguém (Strawson, 1965).

Ao aplicar essa reflexão aos grupos analisados, percebe-se que a dimensão de empatia nos dois grupos recorrentemente se dirige somente para aqueles que o sujeito considera semelhante. Em ambos os casos, o diferente ou contraditório não aciona os mecanismos necessários para a constituição da empatia. Essa situação pode ser bem caracterizada pelo índice de ataques e agressividades do grupo de “Segurança”, cuja temática está mais alinhada com a legitimação ao discurso de uma intervenção mais dura por parte das forças policiais. A tônica das ações desse grupo está bem direcionada para o ataque ao contraditório, como pode ser observado no percentual de adesão para a categoria “Antagonismo” (53%).

Ao se analisar as conotações das postagens feitas, percebe-se um sentido de “justíssimo” em sua argumentação, expressando o claro desejo de se aplicar uma determinada punição física em detrimento do aparato estatal, inclusive superando o mesmo na intensidade, visto que a aplicação da pena capital é defendida com grande ênfase. O exemplo abaixo demonstra essa dimensão:

Postagem: Assistam, pois, esse vídeo o Youtube vai tirar do ar fácil. Vagabundos causaram no mercado, chegaram a bater na cara do caixa. Ai a população se revoltou e foi pra cima deles. Justiça!

Ao mesmo tempo, esse mesmo grupo apresenta argumentos que denotam empatia pelos considerados como semelhantes, como visto na postagem abaixo:

Postagem: Obrigado a todos os profissionais, que nesta data comemorativa, estarão longe de seus lares e pares para prestar algum tipo de serviço a outros.

Essas postagens (e outras também identificadas) reforçam uma nova intuição importante, pois uma primeira reflexão levava em consideração que o grau de empatia nas redes sociais era diluído justamente pela diminuição da capacidade crítica em função das próprias dinâmicas de massa conforme apontado anteriormente. Contudo, percebe-se que a empatia continua a existir, se fortalecer e a definir o padrão de relacionamentos entre os sujeitos do grupo, mas não permite que essa mesma aplicação de empatia seja feita para sujeitos que não estejam na mesma dimensão identitária.

Assim, é possível supor que a constituição dos enlaçamentos morais e empáticos persistam nas dinâmicas de adesão aos grupos das redes sociais, inclusive aderindo-se ao fluxo de medo, interiorização, vigília, pertencimento e segurança que foi identificado anteriormente, muitas vezes reforçando o acolhimento e o sentimento de pertencimento à própria ideologia do grupo.

Não obstante, essa mesma dinâmica parece atuar na diminuição da capacidade crítica de seus participantes, de forma a não permitir que seus participantes enxerguem o contraditório como também merecedor dessa empatia. Assim, pode ser averiguado que existe um aumento significativo de pessoas que apoiam o discurso de uma força policial mais rígida (conforme pode ser visto na quantidade de participantes inscritas no grupo estudado) e que dividem a mesma dimensão empática entre seus membros. Mas, ao mesmo tempo, também houve um aumento significativo de mortes vinculadas a esse mesmo discurso de segurança que não aponta laços de empatia com os indivíduos atingidos por essa dimensão de violência.

Em relação ao segundo grupo pesquisado, ainda que o conteúdo abordado seja contrário à escalada de violência na intervenção policial, também se utiliza da mesma estratégia de adesão quando visto a dimensão da empatia. Diferencia, contudo, na intensidade em relação aos ataques. Enquanto no grupo de segurança a dimensão “Antagonista” se sobressai, no grupo “Direitos Humanos” se destaca a dimensão de “Identidade” (com 41% de adesão). Relacionando com a análise feita, reforça-se a ideia de que a empatia não somente está presente, mas também é reforçada entre seus membros. Contudo, a incapacidade crítica de se reconhecer no outro e no contraditório acaba impedindo que essa mesma empatia seja compartilhada fora do grupo.

8.3. Relação entre o físico e o virtual.

A terceira hipótese levantada sugere que “quando determinadas temáticas geradoras de medo são inseridas nessas redes sociais, pode-se observar uma escalada de violência física e presencial que acompanha, de alguma maneira, a intensidade de agressividade apresentada nos posicionamentos de seus usuários”.

Ao se extrapolar o contexto das dinâmicas de grupo e se enfocar a questão do conteúdo trabalhado, percebe-se que o grupo identificado como “Segurança” possui um discurso legitimador em relação a uma atuação mais incisiva das forças policiais no país, inclusive justificando a pena capital, o que estaria alinhado como as manchas de violência policial apresentadas no Ipea (2019).

É possível verificar a existência de uma correlação entre o espaço físico e virtual quando observamos as figuras 8 e 9. É um fenômeno novo, que requer, todavia, mais investigações, entretanto, os dados expostos indicam que o espaço virtual tem sido utilizado para a divulgação e fomento de ações violentas. Podendo funcionar como uma um ambiente e que ideias divergentes em contextos físicos, encontrem a possibilidade de ecoarem sem tantas repreensões.

Figura 8. Crescimento da taxa de homicídios no Brasil (2006/2017)

Fonte: Ipea (2018)

Figura 9. Crescimento do uso das redes sociais no Brasil (2011/2017)

Fonte: eMaketer, (2013)

Considerações finais.

Relacionando-se os dados apresentados pelo Ipea (2019) com os dados gerados com os grupos sociais, percebe-se que, mesmo apresentando estratégias semelhantes no processo de adesão de seus usuários (medo, interiorização, vigília, pertencimento e segurança), existe uma clara tendência de aumento de violência por parte do grupo denominado de “Segurança”. Ao se verificar que a temática defendida por esse grupo está em consonância com o aumento da violência nas intervenções policiais, também se reforça o fato de que esse grupo possui um índice muito maior de engajamento quando comparado com o mesmo índice no grupo “Direitos Humanos”. O termo “engajamento” está associado a porcentagem dos seguidores desse grupo que normalmente se envolvem com suas postagens, sendo influenciados e se tornando influenciadores desse mesmo tema. Enquanto o percentual de engajamento do grupo “Segurança” apontava 0,71%, na escala, o índice do grupo “Direitos Humanos” apontava 0,37%.

Nesse sentido, é interessante perceber que mesmo contendo uma quantidade menor de usuários inscritos em seu ambiente, o grupo denominado “Segurança” parece encontrar mais ecos ou materialidade no contexto cotidiano das metrópoles brasileiras. Ainda que não seja possível relacionar diretamente essa adesão ao crescimento da taxa de violência ocorrida no período apresentado, pode-se inferir duas situações enquanto fenômenos possíveis: uma possibilidade de resultados mais expressivos em função do nível de engajamento dos defensores desse discurso no contexto social; ou a existência de uma aceitabilidade maior para a dimensão “Antagônica” na sociedade inclusive entre pessoas que estejam fora desse grupo, mas que são simpatizantes dos argumentos apresentados.

Essa segunda inferência estaria de acordo com o estudo apresentado pelo Ipea (2019), que afirma haver uma certa naturalização do fenômeno da violência. Da mesma forma, também reforçaria a constatação de Hobsbawm (1995) e Bauman (2001) sobre uma tendência dos indivíduos da contemporaneidade se apresentarem como egocêntricos, sem nenhuma conexão entre si, com grande resistência à autoridade e focados principalmente na autossatisfação imediata.

A partir de todos os dados expostos e com a consideração da literatura disponível foi possível traçar uma linha na qual se estabelece uma relação evidente entre o ambiente virtual e físico, com a criação de grupos que buscam difundir sua mensagem de maneira convergente. Para isso, trabalhavam para desconstruir os argumentos opostos, como sendo errados, ainda que ditas afirmações e opiniões não fossem acompanhadas de evidências. Outro ponto a ser destacado é a propagação e defesa de ideias e ações contrarias aos marcos legais existentes atualmente no país.

Essa pesquisa é o resultado de um esforço por verificar como fenômenos de violência e medo se encontram em um contexto que verificamos o incremento do uso de redes sociais, como uma ferramenta que potencializa o que os autores denominaram Modernidade Liquida. Como resultado desta situação, vemos eclodir no ambiente digital intolerâncias, marcadas por fissuras nas estruturas consolidadas pelos direitos humanos e por princípios de convivência; em seu lugar se evidencia uma tendência à construção de grupos e espaços propícios aos discursos de ódio, movidos pelo medo que terminariam por legitimar e justificar atos de violência no ambiente físico e virtual.

1Artículo de refleexión vinculado a los grupos de investigación: Cartografía de los Territorios de Aprendizaje (UCB) de la Universidade Católica de Brasília, Brasil, y Nóesis, de la Universidad de Murcia, España.

4 Conforme enunciado por Luiz Flávio Borges D’Urso (2018), a pena de morte não é aplicável no Brasil, exceto em caso de conflitos. Diz o pesquisador: “A Constituição Federal, promulgada em 1988, que no seu inciso XLVII, artigo 5° exatamente na alínea “a”, que estabelece que não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, portanto, o legislador constitucional por meio da lei maior, aquela da qual deve emanar os princípios, as diretrizes para toda legislação ordinária no país, estabelecendo que a pena de morte não deve existir no Brasil” (p. 2)

5 Por sociedade liquida e modernidade liquida se pode consultar diversas obras do autor Zygmunt Bauman, que busca expressar as transformações ocorridas no mundo contemporâneo, que levaram, segundo ele, a estruturas polimórficas de relações interpessoais, de comunicações descentralizadas, de alienações do modo de trabalho, de usos e resignificações da religiosidade entre outros muitos aspectos da vida cotidiana. Sua intenção, assim como a de outros autores, é demonstrar que as estruturas rígidas e conformadas do passado deram passo a sistemas em continua e rápida transformação. Para mais informações, consultar a obra: Bauman, Z. (2001). Modernidade liquida, Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

5 Taxa de engajamento é definida como a porcentagem dos seguidores dessa página que normalmente se envolvem com suas postage

Referencias

Arendt, H. (1964). A Crise Na Educação. Tradução: Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Viking Press.

Bauman, Z. (2008). Medo Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Bauman, Z. (2001). Modernidade liquida, Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Bauman, Z. (1998). O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Bourdieu, P. y Passeron, J. C. (1975). A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves.

Castells, M. (1999). A Sociedade em Rede, São Paulo: Paz e Terra.

Christophe, A. (2008). Psicologia do medo - como lidar com temores, fobias, angústias e pânicos. Rio de janeiro: Vozes.

Cerqueira D, Lima RS, Bueno S, Neme C, Ferreira H, Coelho D, Alves PP, Pinheiro M, Astolfi R, Marques D, Reis M, Merian F. (2019). Atlas da Violência 2019. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Recuperado de: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_atlas_da_violencia_2018.pdf

Dammert, L. y Malone M. F. T. (2006) Does It Take a Village? Policing Strategies and Fear of Crime in Latin America, Latin American Politics and Society, Cambridge University Press, vol. 48(4), pp. 27-51.

Debord, G. (1997). A sociedade do espetáculo: Comentários sobre a sociedade do espetáculo, Rio de Janeiro: Contraponto Editora.

Delumeau, J. (2012). El miedo en Occidente: (siglos XIV-XVIII) - Una ciudad sitiada, Madrid: Taurus.

Demo, P. (1994). Pesquisa e construção do conhecimento: metodologia científi ca no caminho de Habermas, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.

Enguita, M. F. (2007). O Educador na Sociedade do Conhecimento: Problemas, Oportunidades e Desafios, IX Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores, São Paulo: UNESP / FAPESP.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). (2019). Anuário Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo: FBSP.

Freud, S. (2017). Psicologia das massas e análise do eu, Porto Alegre: L&PM Editora.

Gaujelac, V. (2005). Gestão Como Doença Social, Campinas: Ideias e Letras.

Girard, R. (2005). La violencia y lo sagrado, Barcelona: Anagrama.

Harari, Y. N. (2018). Homo Deus: uma breve história do amanhã, São Paulo: Companhia das Letras.

Hobsbawm, E. (1995). A Era dos Extremos: o breve Século XX 1941-1991, São Paulo: Companhia das Letras.

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (2019). Atlas da Violência 2019, Rio de Janeiro: Ipea.

Judt, T. (2012). Postguerra: una historia de Europa desde 1945, Madrid: Taurus.

Koselleck, R. (2007). Crítica y crisis: un estudio sobre la patogénesis del mundo busgués, Madrid: Trotta.

Korstanje, M. (2014). El miedo político bajo el prisma de Hannah Arendt. Revista SAAP. Publicación de Ciencia Política de la Sociedad Argentina de Análisis Político, 8(1), 99-126.

Lévy, P. (1999). Cibercultura. São Paulo: Editora 34.

Moscovic, S. (1985). Psicología Social I: Influencia y cambio de actitudes, individuos y grupos, Barcelona: Paidós.

Simmel, G. (1977). Estudios sobre las formas de socialización, Madrid: Revista del occidente.

Strawson, P. (1965). Freedom and Resentment, Freedom Philosophy Website. Obtido de https://www.ucl.ac.uk/~uctytho/dfwstrawson1.htm

Turner, J., Marx, H. y Revisited, S. (1975). Reassessing the Foundations of Conflict Theory. Source: Social Forces, Oxford University, vol. 53(4), pp. 618-627.

Watkins, E. (2018). Trump taunts North Korea: My nuclear button is ‘much bigger,’ ‘more powerful. CNN Politics. Obtido de https://edition.cnn.com/2018/01/02/politics/donald-trump-north-korea-nuclear/index.html.